Todo ansioso é um escritor...de tragédias.
- henriquesampaioh
- 12 de out. de 2024
- 3 min de leitura

Tomado por uma energia invisível passava os dias a inventar histórias. Não eram histórias bonitas, nem redentoras. Não eram histórias de superação, milagres ou libertadoras. Não possuíam lições de moral escondidas atrás de sofrimentos incompreensíveis. Eram sempre tragédias.
Era criativo, quem dera não fosse. Por ser assim, passava vinte e quatro horas por dia a imaginar as variações mais elaboradas sobre situações não vividas. E em todas elas, sem nenhuma exceção, coisas ruins lhe aconteciam.
Não eram histórias de superação, milagres ou libertadoras. Não possuíam lições de moral escondidas atrás de sofrimentos incompreensíveis. Eram sempre tragédias.
Em sua juventude, cada ida à escola era um suplício. No caminho seria roubado por uma gangue querendo seu chinelo e relógio, chegando a escola, esbaforido, levaria uma bronca da coordenação e na sala de aula, o professor faria ele ficar em pé na frente da turma, sem conseguir responder uma simples questão, provando sua incompetência, seria eternamente chamado de “O burro do sétimo ano”. Dia após dias essa história se repetia em sua cabeça momentos antes de adormecer.
Parado em frente ao elevador, nunca imaginava que dali sairia um casal com dois cachorros a passear. Um tiro de surpresa é o mínimo que esperava receber quando abrisse a porta automática. Dentro, os barulhos tão normais nos movimentos do elevador, fazia sentir a queda no túnel frio, imaginando suas últimas lembranças antecedendo o fim.
Assim como um escritor, foi na prática que aprendeu a dominar seu ofício. As histórias foram se complexificando. Era capaz de reescrever a mesma cena por horas, às vezes dias, sem nunca cansar. Incluia personagens, colocava falas novas em cada reescrita e imaginava cenas em que era colocado nas situações mais degradantes.
Nunca teve um bloqueio criativo, achava que era invenção de pseudo artistas. Ao contrário, torcia para que aquele jorro de ideias um dia parasse.
Demissão devido a um atraso, humilhação pública numa queda no meio do shopping, afogado em um mar calmo, o desprezo da menina mais bonita da festa, batida de carro em hora de pico, atrapalhando o trânsito da cidade, repreensão do atendente da loja de hambúrguer por fazê-lo perder seu precioso tempo na indecisão do pedido, perdido em uma trilha simples no meio da floresta, o voo para o nada de um alto tobogã.
Nunca teve um bloqueio criativo, achava que era invenção de pseudo artistas. Ao contrário, torcia para que aquele jorro de ideias um dia parasse. Tentou meditação, terapia e esportes sem nunca atingir o objetivo desejado: fazer de seu cérebro uma tela em branco
No semáforo, sentado na privada, em ônibus lotados e nos bares da vida, com seus celulares na mão diziam em alto e bom som “Que besteira sem tamanho”
Me segredou, antes que eu finalizasse essa pequena crônica, que estava com medo. Sua cabeça não parava de fervilhar construindo histórias numa velocidade tamanha, que mal havia tempo de anotá-las. Então começou a me contar. Descrevia com veracidade as reações de riso incontido dos leitores do Blog sobre tamanho absurdo. No semáforo, sentado na privada, em ônibus lotados e nos bares da vida, com seus celulares na mão diziam em alto e bom som “Que besteira sem tamanho”, “Ele já escreveu sobre temas mais importantes”, “O último texto foi bem melhor”. Sem conseguir interrompê-lo, deixei-o prosseguir: “As pessoas me odiarão pelo resto da vida”, “você poderia apagar esse post, ele não pode ser publicado, algo ruim irá acontecer”, “É o fim, é o fim, tudo vai acabar”...prosseguiu por horas, horas, e horas….
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